Quando o baixote recebeu a bola na intermediária ofensiva, havia cerca de 40 metros, 9 bem-nascidos lordes britânicos e um juiz separando-o da meta.
Todos seriam driblados. O juiz, também e sobretudo.
O primeiro marcador veio seco, confiado na sobra. Tomou o corte pra dentro que tinha ido ali tomar, jogando aquele improvável camisa 10 — baixinho, proletário, Maradona — para o núcleo da alva defesa britânica. Os outros oito lordes cerraram torniquete, que perdesse o controle da bola era questão de tempo, impossível manobrar em espaço assim reduzido.
Santería. Inglês não acredita em santería é de teimoso, porque a coisa foi lá com eles mesmo. A bola encantada, de não desagarrar da curta canhoteira, esparramou-se gostosamente em um ziguezague maluco, coisa de pelada — pelada é esporte outro, diferente do bretão -, e outros dois defenders ficavam pra trás.
Adiantou-se o beque central, todo garbo e sobranceria. O baixinho já vinha enviesado, atrasado, impossível mais um drible: acabava ali aquele abuso. Entanto a bola se lhe oferecesse, o zagueirão achou foi nada; de último cambulhão, um tapa seco de esquerda, como quem diz vá, minha querida, mas volte, inglês chutando ar é coisa de ver, confere valia pro negócio.
Ela foi, pra ser maltratada no bico da área; domínio errado do atacante, chutão pra cima do quarto-zagueiro, e voltou, que ninguém dizia que não voltasse. Voltou, de encantada, e era justo que voltasse: que ia fazer uma bola, na Copa do México, longe daquele diez? O diez sabia que voltava, assim tinha mandado, continuou sua trajetória pro centro da área, pro centro do reencontro. Ela veio agora pelo ar, de novo se oferecendo mais pro goleiro e seus oitenta centímetros além do metro, do que pro curtíssimo meia.
Contava também o goleiro com o conforto da regra. Podia usar as mãos, coisa que ao baixotinho era vedada. Tudo pra eles. A força. As regras. As Malvinas. A Copa.
O carajo.
Santería. Jogada de lógica estranha, a fazer com que gigantes ingleses, com seu fardamento impecável e seus músculos de disciplina, sempre estivessem um centésimo, um centímetro, um século atrás daquele vagamundo portenho.
Aquele vagamundo portenho, que encantou a bola pra encantar o mundo. Pois ela o procurou de volta, para um último carinho antes do descanso na rede, que carinho bom é o que se faz com a mão.
A mão de Deus, pela mão de um vagamundo: santería.
Gol da Argentina, de mão, sedicioso, subversivo.
Gol de Maradona.
Fonte/Créditos: Du Lima
Créditos (Imagem de capa): Arquivo pessoal
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